Carlos Martins da Silva, nosso médico urologista fala à revista “Sábado”

“Quem manda na sua bexiga?”

Há 600 mil portugueses que sofrem de incontinência urinária e apenas 10% procura ajuda junto do seu médico. Para alertar para este problema, celebra-se a Semana da Incontinência Urinária.

Os sinais de alerta são vários e simples como ir à casa de banho mais de 8 vezes por dia e duas a três vezes por noite. Muitas vezes estes hábitos escondem problemas como a síndrome da bexiga hiperativa. Para alertar para este problema surgiu a campanha de sensibilização Na Bexiga Mando Eu, que tem como base o blogue ComeceHoje.naBexigaMandoEu.pt. Lá os doentes encontram diversos artigos de especialistas, animações e filmes.

De 11 a 17 de março assinala-se a Semana da Incontinência Urinária, e falámos com o médico urologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Carlos Martins da Silva, sobre o assunto que ainda causa embaraço a quem sofre com esta doença. 

O que é uma bexiga hiperativa?
A Bexiga Hiperativa define-se como um conjunto de sintomas urinários, sendo o principal a urgência urinária, que é uma vontade forte, súbita e inadiável, de urinar. Outros sintomas que podem ocorrer são o aumento do número de vezes que tem que urinar, quer durante o dia, quer durante a noite, e as perdas de urina (incontinência urinária) – que podem ir desde pequenas perdas até ao esvaziamento completo da bexiga, de forma descontrolada.

A que sintomas as pessoas devem estar atentas? 
Se uma pessoa sentir frequentemente urgência urinária – uma vontade súbita, forte e incontrolável de urinar -, provavelmente deve sofrer de Bexiga Hiperativa. Para evitar, quer a sensação de desconforto associada à urgência urinária, quer as perdas de urina, o doente geralmente adota comportamentos “preventivos” como o aumento do número de vezes que vai à casa de banho para urinar. Se quando o doente não tem acesso fácil a instalações sanitárias acaba por “não chegar a tempo” e perde urina, chama-se Bexiga Hiperativa “molhada” ou incontinência urinária de urgência. Se não houver incontinência urinária, denomina-se Bexiga Hiperativa “seca”.

Quando é que costumam aparecer os primeiros sintomas? Porque é que a Bexiga Hiperativa tende a afetar mais mulheres do que homens?  
A Bexiga Hiperativa afeta frequentemente homens e mulheres (prevalência de 11% nos homens e 13% nas mulheres), verificando-se que o número de pessoas afetadas aumenta significativamente com a idade, particularmente a partir dos 40 anos. Mas, na verdade, as mulheres são muito mais afetadas em idades mais precoces, sendo um dado adquirido que a Bexiga Hiperativa é mais frequente em mulheres com menos de 60 anos que homens com menos de 60 anos. Acima dos 75 anos, o número de homens afetados aumenta exponencialmente.

Verifica-se ainda que a incontinência urinária afeta mais as mulheres do que os homens, pelo que, como se compreende, o impacto na qualidade de vida das mulheres é maior.  

Deve ser salientado que o número de partos e gravidezes é um fator de risco para a incontinência urinária de esforço na mulher e não para a incontinência urinária associada à Bexiga Hiperativa.

As perdas de urina são sempre fruto de um problema? Qual?  
Quando uma pessoa tem perdas de urina (incontinência urinária) deve procurar cuidados médicos. Há muitas causas de incontinência urinária e a maior parte tem tratamento. As causas da Bexiga Hiperativa são várias e estão longe de estar completamente esclarecidas, mas sabe-se que alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento, tais como diminuição da capacidade vesical e alterações do tónus muscular, favorecem o desenvolvimento desta síndrome. 

As pessoas com depressão ou diabéticas têm um risco mais elevado de desenvolver Bexiga Hiperativa. O envelhecimento, artrite, terapêutica hormonal de substituição oral, obesidade, doença pulmonar obstrutiva crónica, obstipação, imobilidade, cirurgia vesical ou vaginal, histerectomia e alguns medicamentos (beta-bloqueantes, antidepressivos, antipsicóticos, alguns anti-hipertensores, diuréticos, sedativos) são igualmente considerados fatores de risco.

Várias patologias neurológicas, como traumatismo com lesão medular, acidentes vasculares cerebrais, esclerose múltipla, demência, ou doença de Parkinson, podem ser causa de Bexiga Hiperativa.

Qual é o tratamento da bexiga hiperativa?
Além de ser uma situação clínica fácil de diagnosticar, é fácil de tratar na maior parte dos casos. O tratamento assenta em medicamentos para controlo dos sintomas que incomodam e em pequenas alterações de alguns hábitos do nosso dia a dia. Destes últimos, salienta-se a perda de peso, a ingestão moderada de líquidos (1-1,5 l/dia), evitar as bebidas gaseificadas e café e deixar de fumar. É também aconselhado ao doente que tente “lutar contra a urgência urinária” e tente aumentar o período de tempo que aguenta entre as micções. Claro que este “treino vesical” em que o doente tenta combater a urgência urinária deve ser realizado de um modo progressivo e recomenda-se que no início o doente o faça apenas em casa, para assim evitar “acidentes” (perdas de urina) desagradáveis.

Uma outra estratégia para melhorar os sintomas da Bexiga Hiperactiva e com bons resultados é o recurso à fisioterapia do pavimento pélvico. Os exercícios do pavimento pélvico tornam o doente mais confiante e mais apto a limitar as perdas de urina quando estas acontecem, por contração ativa do músculo que controla a saída da urina (esfíncter uretral).

Atualmente, com estas medidas e com os vários medicamentos disponíveis, consegue-se uma melhoria muito significativa dos sintomas na maior parte dos doentes. Temos disponíveis duas classes de medicamentos (fármacos anticolinérgicos e agonistas beta 3), que atualmente representam a primeira linha de tratamento e são utilizados para tentar “estabilizar” o músculo detrusor, impedindo ou atrasando o aparecimento da urgência urinária.

Quando estas terapêuticas, farmacológicas e não farmacológicas, falham (por ineficácia ou por efeitos colaterais), é feito o diagnóstico de bexiga hiperativa refratária. Estes casos que não melhoram devem ser enviados para hospitais onde outros tratamentos (ditos mais invasivos) como a injecção na bexiga de toxina botulínica e a neuromodulação (técnicas em que se estimulam os nervos que controlam a bexiga) podem ser oferecidos a estes doentes, para melhoria da sua qualidade de vida.

Porque é que apenas 10% procuram ajuda?
Sabe-se atualmente que a maior parte dos doentes com Bexiga Hiperativa não procura ajuda médica. Uma das principais causas é a falta de informação quer dos doentes, quer dos prestadores de cuidados de saúde. É importante veicular a informação de que a Bexiga Hiperativa é uma situação clínica que deve ser identificada e que tem tratamento na maior parte dos casos. O sentimento de vergonha e a noção errada de que é um “problema da idade” contribuem para que os doentes se retraiam e só recorram aos cuidados médicos nos casos mais graves. Se o doente achar que pode “sofrer” de Bexiga Hiperativa não se deve acanhar, deve falar com o seu médico. O seu caso pode ter uma solução e muitas vezes é mais simples do que pensa.

Quais são as consequências deste problema?
A repercussão deste mau funcionamento da bexiga na qualidade de vida é muito significativa, face às limitações que os doentes enfrentam no seu dia a dia para lidar com este problema. Como se compreende, a interferência na qualidade de sono tem repercussões diretas na actividade laboral e no estado geral de saúde. A fadiga durante o dia é uma das queixas mais frequentes do doente, como consequência de noites mal dormidas pela necessidade de ir várias vezes à casa de banho. Psicologicamente, além do risco aumentado de depressão, a pessoa tem de lidar com sentimentos de medo, vergonha e culpa. O isolamento social e interferência na sexualidade são agravadas se ao mesmo tempo o doente não conseguir “aguentar-se” e perder urina.

Em que consiste a campanha Na Minha Bexiga Mando Eu?
Para aumentar a consciencialização sobre este problema, desmistificar alguns mitos e ajudar as pessoas que sofrem desta síndrome foi desenvolvida a campanha de sensibilização para a Bexiga Hiperativa “Na Bexiga Mando Eu“, que conta com o apoio da Associação Portuguesa de Neurourologia e Uroginecologia, e tem como base um projeto online, onde os doentes poderão encontrar diversos recursos que os poderão ajudar a perceber e a lidar com este problema, nomeadamente, artigos escritos por especialistas, animações e filmes. No website e Facebook do Comece Hoje poderão ainda encontrar informações sobre sintomas, prevalência, tratamentos, conselhos práticos, e quem os pode ajudar.

Fonte: www.sabado.pt

Foto: Professor Carlos Martins da Silva

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